domingo, 24 de julho de 2011




Quem me dera ser um pássaro... fugir desta cidade. Encontrar lugar mais alto pra viver.




Abrir asas em direção ao "não sei". Eu nunca sei...




Quem me dera ser um pássaro, não me importar em estar só com o azul do céu. Ouvir somente os comandos do vento. Aninhar-me em galhos distantes da terra e observar todos de longe, bem longe...




Quem me dera ser um pássaro. Entender do falar dos pássaros. Saciar-me com migalhas de pão.




Sem espelhos, apenas meu vulto ligeiro nas águas do rio Paraná.














"Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo, eu sempre preferi o menos ao mais por medo também do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo? E porque também não tenho uma palavra a dizer..."






Excluí e recuperei o blog por diversas vezes. Durante meses não ousei postar quaisquer palavras.
Esta semana o comentário de um amigo, "blog é para os loucos", me deu coragem para voltar. Eis-me aqui!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010


Gula por palavras não é pecado, é capital.


Aline Emanueli

Dois E Dois: Quatro

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena

como é azul o oceano
e a lagoa, serena

como um tempo de alegria
por trás do terror me acena

e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.

Ferreira Gullar

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Meu povo, meu poema

Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova

No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro

Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta


Ferreira Gullar

Galo Galo


O galo

no saguão quieto.


Galo galo

de alarmante crista, guerreiro,

medieval.


De córneo bico e

esporões, armado

contra a morte,

passeia.


Mede os passos. Pára.

Inclina a cabeça coroada

dentro do silêncio

- que faço entre coisas?

- de que me defendo?


Anda


no saguão.

O cimento esquece

o seu último passo.


Galo: as penas que

florescem da carne silenciosa

e o duro bico e as unhas e o olho

sem amor. Grave

solidez.

Em que se apóia

tal arquitetura?


Saberá que, no centro

de seu corpo, um grito

se elabora?


Como, porém, conter,

uma vez concluído,

o canto obrigatório?


Eis que bate as asas, vai

morrer, encurva o vertiginoso pescoço

donde o canto rubro escoa.


Mas a pedra, a tarde,

o próprio feroz galo

subsistem ao grito.


Vê-se: o canto é inútil.


O galo permanece - apesar

de todo o seu porte marcial -

só, desamparado,

num saguão do mundo.

Pobre ave guerreira!


Outro grito cresce

agora no sigilo

de seu corpo; grito

que, sem essas penas

e esporões e crista

e sobretudo sem esse olhar

de ódio,

não seria tão rouco

e sangrento


Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.

Mas que, fora dele,

é mero complemento de auroras.



Ferreira Gullar