segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Galo Galo


O galo

no saguão quieto.


Galo galo

de alarmante crista, guerreiro,

medieval.


De córneo bico e

esporões, armado

contra a morte,

passeia.


Mede os passos. Pára.

Inclina a cabeça coroada

dentro do silêncio

- que faço entre coisas?

- de que me defendo?


Anda


no saguão.

O cimento esquece

o seu último passo.


Galo: as penas que

florescem da carne silenciosa

e o duro bico e as unhas e o olho

sem amor. Grave

solidez.

Em que se apóia

tal arquitetura?


Saberá que, no centro

de seu corpo, um grito

se elabora?


Como, porém, conter,

uma vez concluído,

o canto obrigatório?


Eis que bate as asas, vai

morrer, encurva o vertiginoso pescoço

donde o canto rubro escoa.


Mas a pedra, a tarde,

o próprio feroz galo

subsistem ao grito.


Vê-se: o canto é inútil.


O galo permanece - apesar

de todo o seu porte marcial -

só, desamparado,

num saguão do mundo.

Pobre ave guerreira!


Outro grito cresce

agora no sigilo

de seu corpo; grito

que, sem essas penas

e esporões e crista

e sobretudo sem esse olhar

de ódio,

não seria tão rouco

e sangrento


Grito, fruto obscuro

e extremo dessa árvore: galo.

Mas que, fora dele,

é mero complemento de auroras.



Ferreira Gullar

Nenhum comentário:

Postar um comentário