sábado, 3 de julho de 2010


Na velocidade do carro fixou um ponto no nada da paisagem urbana e deixou o olhar vagar pela cidade. Agradava-lhe isso, ver tudo correndo: árvores, casas, pernas, telhados, pés, lixeiras, cabeças, calçadas... Gostava de na sua imobilidade sentir-se carregada pela velocidade.

Ele, também com o olhar fixo, dirigia atento ao trânsito pacato de uma pacata cidade, somente desviando o olhar para observar pelos retrovisores.

Ao vê-lo, assim tão concentrado, sentiu inveja e vontade de ser asfalto.

Nunca antes tivera a garganta tão presa e a visão de uma velocidade tão embaçada.

Enquanto conduzia o veículo por uma avenida iluminada por lâmpadas dentro de esferas perfuradas, gesticulava e, na sua ingenuidade, contava-lhe planos irrealizados, outros contidos na pretensão, todavia, sem olhar para ela.

- Já estou cansado dessa cidade. Gosto da movimentação das grandes metrópoles. Tenho vontade de me mudar para um lugar onde eu não conheça ninguém... sabe...recomeçar.

Com um balançar de cabeça ela disse um "sei" pálido, pois o "ninguém" entrou-lhe pelos ouvidos como um zangão, que misteriosamente invadiu-lhe o estômago deixando-a sem palavras, como se palavras nascessem do estômago.

- Um lugar onde eu possa conhecer pessoas novas, com mais opção de cultura e lazer.

Ela continuava a mirar fixamente a corrida involuntária dos transeuntes e por um momento chegou a pensar se não era esse o motivo de sua vertigem.

- Já pensei em pedir transferência do curso para outra universidade... ah, mas não sei se meu pai concordaria - disse ele.

Ela deixou escapar uma lágrima imperceptível e ligeira, que de tão ligeira parecia-se com uma lágrima alegre... Logo deixou escapar mais uma, e outra... Fossem, quiçá, lágrimas ligeiramente alegres, porém eram apenas ligeiras e silenciosas.

- Um dia vou me mudar pra bem longe. Só virei visitar os parentes - ele dizia-lhe essas coisas com um sorriso puro de criança a espera do presente natalino.

- São Paulo... Agitação... Multidão de pernas...

Pernas? - pensou ela - Zangão tem pernas? Oh Deus! O estômago... Talvez sejam cócegas provocadas pelas pernas... Como não pensei nisso antes? Ou serão ferroadas?

- O que você tem?

- Nada... - Era essa uma das poucas palavras que o hábito lhe permitia falar quando zangões entravam pelos ouvidos.

- Está sentindo alguma coisa?

- Não sei...

- Não! - falava consigo mesma - Não pode ser ferroadas... Pelo pouco que recordo das aulas da professora de biologia, zangões são desprovidos de ferrões. Ou será uma abelha? Não, não, abelhas não são assim tão grandes... com certeza são pernas de zangão.

Certeza? De tal maneira habituada ao "nada" que já não sabia nada ao certo. A única certeza agora é a de que um zangão entrou-lhe pelos ouvidos e a de que novamente sentira vontade de ser asfalto.



Aline Emanueli





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